Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres
- Camila Puertas
- 6 de jun.
- 2 min de leitura
Clarice Lispector e a revolução íntima do feminino
Acostumadas a ler sobre nossos corpos sob uma ótica masculina, nós, mulheres, por muito tempo vimos o erotismo feminino como algo sublimado — reprimido, incapaz de florescer como potência de crescimento interior.
Publicado em 1969, logo após a revolução cultural de maio de 1968 e em meio ao endurecimento da ditadura militar no Brasil (um ano após o AI-5), este livro de Clarice Lispector foi corajosamente ousado. Propõe uma revolução feminista que acontece do lado de dentro — no silêncio, no corpo, na alma.
Clarice, com sua escrita extraordinária, traça a jornada de uma mulher em busca de autonomia. Mas fala também de qualquer ser humano que tenha coragem de se voltar para dentro e encarar o que nem sabe que habita em si. A trama, emocionalmente confusa e existencialmente honesta, revela a complexidade do viver, a solidão essencial e a necessidade – ainda assim – de se relacionar.
A autora não reproduz os padrões tradicionais de poder entre masculino e feminino. Ao explorar sua existência desde a condição de mulher, Clarice cria conexões que ultrapassam os limites da diferença sexual, tocando com leveza e profundidade a condição humana.
Sua linguagem é revolucionária: um fluxo contínuo de pensamento, que começa com uma vírgula e termina com dois pontos, atravessando passado, presente e futuro com liberdade e entrega.
Para mim, essa leitura escancarou a verdade sobre a solidão — e sobre como só ao reconhecê-la em nós e no outro é possível alcançar alguma forma de comunhão. A trajetória da protagonista me abriu ao afeto e me ensinou a estar bem em mim antes de oferecer apoio a quem caminha ao lado.
No fim, ainda que pareça haver um abismo entre quem atende no caixa da padaria e quem escuta pacientes num consultório, ambas sustentam, com a mesma importância, a engrenagem invisível que move o mundo: a vida em comum.



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